terça-feira, 15 de março de 2011

Romance Ideal


A bola. "Ela é só uma menina e eu deixando que ela faça o que bem quiser de mim". Em mais um jogo de futebol ela corria solta pelo campo. Passeava de pé em pé, despretensiosa, elegante, como se procurasse a quem glorificar. Brincava com malemolência, prestigiava e fazia festa com os mais ousados. Não havia como ser indiferente a tamanha beleza! No meio daquele grande jogo me peguei admirando-a e resolvi conquistá-la.

Fui firme nos combates, agia com virilidade e a colocava sempre a salvo. Como era fascinante sair em disparada com ela, evitando que nos alcançassem. Enganava os concorrentes, pedalava em tom provocativo, tudo para exibí-la. Por sua vez, a bola preferia ganhar as alturas e cair indomável saltitando pelo campo a procura de novas aventuras. Displicentemente ela deslizava para a esquerda enquanto eu avançava para a direita. Mas apesar de todo charme era fundamental que eu percebesse reciprocidade da parte dela.

Na sutileza que distingue jus e lex, era como se a bola tivesse o direito de me evitar mas não fosse moral desprezar meus esforços. Eu insistia. Procurava seguir seus passos. Me adiantava. Porém, nas minhas raras oportunidades de tentar chamar-lhe a atenção, indiferente, ela sempre preferia descansar nos braços do goleiro que com ternura a abraçava. Assim, alternavam-se meus sentimentos: ora paixão, ora tristeza. "Ela é só uma menina e eu alí pagando pelos erros que eu nem sei se cometi". 

Até que voltei a tona e percebi que era só mais um bola encantada. Cedo ou tarde eu me apaixonaria de novo. Propositadamente fui até a última linha do campo e a lancei sobre meu adversário. Foi uma dispensa. Uma renúncia. Um basta! O tempo era escasso. Era hora do árbitro decretar nossa separação e encerrar nossa história.

Mas como num romance ideal, de final feliz, a bola resolveu atender aos meus desejos. Voltou ao campo na cobrança do escanteio e esbarrou-se em meu corpo -sem que eu tivesse escolha- e como se deixasse um sorriso ao olhar para trás ela ultrapassou a linha do gol. Um silêncio profundo  testemunhava aquele momento até a explosão eufórica da torcida, era o gol do título. A consumação de um romance que apesar de efêmero tornou-se marcante. Mantenho até hoje  eternizada no caneco que nos consagrou campeões a síntese da nossa história... "Quando eu lhe dizia: ‘Eu me apaixono todo dia. E é sempre a pessoa errada...’ Você sorriu e disse: ‘Eu gosto de você também". (Renato Russo) A bola com toda a sua sagacidade não faz escolhas vãs, ela criteriosamente corresponde ao carinho dos mais apaixonados.

Citação
Romance Ideal - Os Paralamas do Sucesso
Imagem da internet

terça-feira, 8 de março de 2011

Como nossos pais


Talvez Belchior quisesse, através dessa música, mostrar que o jovem tinha parado no tempo, perdido o espírito revolucionário tão importante nos tempos de conflitos políticos e ideológicos no Brasil. Viver (a mudança) era melhor que sonhar. Mas, no futebol devemos comemorar o fato de que "nossos ídolos ainda são os mesmos".

Quem viu o Brasil de Telê Santana na Copa de 86 perder no jogo de melhor atuação do time seguramente vai lhes dizer "que depois deles não apareceu mais ninguém". Curiosamente, quem viu o Ronaldo também vai afirmar isso. O Zidane, o Romário, o Messi. Depois deles, agora sim, mais ninguém - mesmo sabendo que em breve teremos novos intocáveis. E esta identificação, por vezes devoção, mesmo com racionalidade similar não nasce de teorias, ela provém do sonho, da angústia, do improvável, do desespero por um gol salvador da pátria. A pátria herdada dos nossos pais, avós, tios e irmãos mais velhos. Há quem caprichosamente contrarie a torcida hereditária, mas saboreia seus trunfos com os próprios doadores. Aliás, o futebol só não faria sentido se não pudessemos contar vantagem justamente para nossos adversários mais íntimos e garantir-lhes que aquele honroso sentimento será mantido.

 "As aparências não enganam, não"! A linguagem do drible, da torcida, do gol é universal. E como explicar o desejo de batizar seu filho, a sua ligação eterna, a sua continuação existencial, com o nome de um jogador que foi herói por fazer um gol decisivo na final da taça... O nome da taça pouco importa. Para o cético pode parecer "que eu tô por fora ou então que eu tô inventando", mas pasmem! Essa paixão é atemporal e inerente ao torcedor-doutor futebolístico. 
 
Minha satisfação é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo, tudo o que fizemos do nosso futebol: lavagem de dinheiro, instrumento político, exportação de talentos e tantas outras devastações, "nós ainda somos os mesmos e vivemos (orgulhosamente) como nossos pais".