A bola. "Ela é só uma menina e eu deixando que ela faça o que bem quiser de mim". Em mais um jogo de futebol ela corria solta pelo campo. Passeava de pé em pé, despretensiosa, elegante, como se procurasse a quem glorificar. Brincava com malemolência, prestigiava e fazia festa com os mais ousados. Não havia como ser indiferente a tamanha beleza! No meio daquele grande jogo me peguei admirando-a e resolvi conquistá-la.
Fui firme nos combates, agia com virilidade e a colocava sempre a salvo. Como era fascinante sair em disparada com ela, evitando que nos alcançassem. Enganava os concorrentes, pedalava em tom provocativo, tudo para exibí-la. Por sua vez, a bola preferia ganhar as alturas e cair indomável saltitando pelo campo a procura de novas aventuras. Displicentemente ela deslizava para a esquerda enquanto eu avançava para a direita. Mas apesar de todo charme era fundamental que eu percebesse reciprocidade da parte dela.
Na sutileza que distingue jus e lex, era como se a bola tivesse o direito de me evitar mas não fosse moral desprezar meus esforços. Eu insistia. Procurava seguir seus passos. Me adiantava. Porém, nas minhas raras oportunidades de tentar chamar-lhe a atenção, indiferente, ela sempre preferia descansar nos braços do goleiro que com ternura a abraçava. Assim, alternavam-se meus sentimentos: ora paixão, ora tristeza. "Ela é só uma menina e eu alí pagando pelos erros que eu nem sei se cometi".
Até que voltei a tona e percebi que era só mais um bola encantada. Cedo ou tarde eu me apaixonaria de novo. Propositadamente fui até a última linha do campo e a lancei sobre meu adversário. Foi uma dispensa. Uma renúncia. Um basta! O tempo era escasso. Era hora do árbitro decretar nossa separação e encerrar nossa história.
Mas como num romance ideal, de final feliz, a bola resolveu atender aos meus desejos. Voltou ao campo na cobrança do escanteio e esbarrou-se em meu corpo -sem que eu tivesse escolha- e como se deixasse um sorriso ao olhar para trás ela ultrapassou a linha do gol. Um silêncio profundo testemunhava aquele momento até a explosão eufórica da torcida, era o gol do título. A consumação de um romance que apesar de efêmero tornou-se marcante. Mantenho até hoje eternizada no caneco que nos consagrou campeões a síntese da nossa história... "Quando eu lhe dizia: ‘Eu me apaixono todo dia. E é sempre a pessoa errada...’ Você sorriu e disse: ‘Eu gosto de você também". (Renato Russo) A bola com toda a sua sagacidade não faz escolhas vãs, ela criteriosamente corresponde ao carinho dos mais apaixonados.
Citação
Romance Ideal - Os Paralamas do Sucesso
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